Você não merece que eu suspire por você.



Você não merece o esforço, o gosto, o grito, o choro guardado, a ida até a padaria, calçar chinelo ou ler metade uma folha de notícias do jornal. Não merece o sorriso, o brilho, o olhar bobo, a vontade que tenho de me aninhar no seu peito. Nem por cinco minutos, você merece que eu toque em você. Porque sou feita de afeto. De verdade transparente. De brilho que cega. De aro íris, com pote de ouro no final. Tesouro, sabe? Moedas douradas. Cheiro de flor. Livros e paisagem que merece futuro. Cuidado. Cafuné. Café quentinho na cama. Poesia no meio do dia.

Você não merece o delírio. As palavras soltas. O tempo gasto. A energia. O anseio. O pé que não para de se movimentar, querendo presença e acolhimento. Sequer, merece um bom dia ao acordar. Não merece gatinhos se esfregando em seus pés. Pipoca quentinha. Música suave. Passeio de bicicleta. Ligação no meio da noite. Áudios bêbados, com risos soltos, e muita coisa dita entre os dentes, que é pra você não entender. Que se você entender, vai embora. Coisa de relação frágil. De ponte, de poste, de ligações inanimadas. De espelho d´agua. Se vê o fundo.

Você não merece o canto. O conto. As sugestões de séries na Netflix. Respostas rápidas. Atenção. Bilhete com coração desenhado. Meu hálito ao acordar. Minha cara de sono. Meu nariz vermelho pelo choro em final feliz na tv. Te ver aos sábados. Calcinha nova. Esmalte que incite pensamentos libidinosos. Calor de abraço. Tapa na mesa, no meio de uma discussão. Fala alta. Consideração. Desejo latente. Raiva. Sensação de não pertencer. Onde errei? Jamais. Pra você, jamais. Que aqui tem estrelas cadentes. Cor, luz e mãos estendidas. Tem amor. Feito bicho que lambe cria, pra mostrar como se faz pra esfregar cuidado.

Você não merece esse texto, que escrevo em um misto de sentimentos. Porque eu tenho raiva de você. Tenho saudade. Tenho certeza das coisas que vem. Tenho compaixão. Tenho ira acumulada. Despejo. Você não merece meus pensamentos. Você não merece. Porque eu preciso desesperadamente não querer você.
E não quero. É só carência e falta de afeto. E o cansaço de dias ruins acumulados. De sentimentos planando sem dono. Que aqui dentro tem estado tormenta. E eu odeio. Odeio



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