Adoráveis Malucos - Martha, Obrigada!


Martha Medeiros

A cena: o primeiro chope da vida de vocês. Sentados frente a frente, cada um fala sobre as músicas favoritas, se prefere campo ou praia, se gosta de ler, se pratica algum esporte, se já morou em outra cidade. Sem esquecer o indefectível: qual seu signo?
Ao fim da noite, haverá mesmo uma pista segura sobre as chances da relação? A gente pensa que sim, mas a vida mostra que nada disso interessa: nem o time por que torce, nem se sabe cozinhar, nem se é de Aries ou Peixes. Segundo o filósofo Alain Botton, a gente deveria perguntar no primeiro encontro: qual é a sua loucura? Esse seria um bom começo para avaliar se temos capacidade de segurar a onda do outro.

Não há como negar que somos todos meio esquisitos. Quem é que tem todos os parafusos no lugar? Ninguém tem. Então admitir isso seria um jeito mais honesto de iniciar uma história. O cara se abre: “Tenho mania de dar caminhadas solitárias durante a madrugada, preciso ficar totalmente sozinho no dia do meu aniversário, tenho um histórico de assédio moral que me perturba até hoje, fico meio enfurecido quando alguém insiste em saber sobre a minha infância”.
Sua vez de alerta-lo: “ Não consigo ficar sozinha nem por cinco minutos, não posso engordar nem 200 gramas que fico sem comer por três dias, janelas abertas me causam pânico, desconfio de que sou filha da minha tia”.

Achou que ia ser facinho? Praia ou campo?

O ser humano, qualquer um, é um depósito de angústias, carências, traumas, neuras. Não somos apenas o nosso gosto pra cinema, o nosso jeito de vestir, o nosso prato favorito – se fôssemos apenas isso, amar seria como jogar dominó. Mas o jogo entre dois amantes é mais complexo. Aos poucos, vão aparecendo os medos secretos, a dificuldade de lidar com dinheiro, a fixação em ideias estapafúrdias, o complexo de inferioridade, a ansiedade incontrolável, as perdas pelo caminho.

Nada disso é exatamente uma loucura, mas é um pacote existencial que é colocado no colo de quem deseja se relacionar conosco. A pessoa terá que amar não somente o nosso par de olhos azuis e nossa bicicleta na garagem, mas todas as estranhezas que cultivamos e a dor que tentamos subestimar.

O amor, em si, não é difícil. O amor é fácil. Difíceis somos nós. Somos uma simpática encrenca pra quem se atreve a entrar na nossa vida e ficar conosco por mais de 10 dias, prazo suficiente para lembrar que a perfeição não existe. Alguém vai desistir de amar por causa disso? Ao contrário: o desafio é estimulante. Quase competimos para ver quem é mais maníaco, quem tem mais problemas familiares, quem se irrita mais com a rotina, quem explode mais – para tudo terminar em chamegos embaixo do lençol, onde é obrigatório se entender.

Taí a graça e a desgraça de quem resolve dividir o mesmo teto, taí a bagagem surpresa que cada um traz de casa.

Qual é a sua loucura? A minha eu conto quando você me convidar para um chope. 

Eu poderia ter escrito esse texto. Mas ela fez melhor. Ainda bem!

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